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Orgulho lésbico: pesquisadoras unem ativismo e produção intelectual


- Foto: agenciabrasil.ebc.com.br

Orgulho, no sentido coletivo, Ă© um sentimento de satisfação com as realizações de outras pessoas com quem se tem algum vĂ­nculo ou identidade. A construção do orgulho coletivo, assim, passa pelo conhecimento que o grupo tem da própria trajetória. Nesta, segunda-feira (19), quando se celebra o Dia do Orgulho LĂ©sbico, pesquisadoras falam sobre o seu trabalho para ampliar os significados dessa identidade sexual e polĂ­tica.

A data Ă© sempre lembrada pelo episódio histórico do Ferro's Bar, estabelecimento na região boĂȘmia do centro de São Paulo, que foi palco de um ato de mulheres lĂ©sbicas em 1983. O local tinha virado uma referĂȘncia para essa comunidade, que viu nascer ali uma organização polĂ­tica das frequentadoras. Um dos sĂ­mbolos do movimento era a circulação do boletim Chanacomchana, que teve a venda proibida pelos proprietĂĄrios do bar. Nasceu assim a manifestação mais famosa protagonizada por lĂ©sbicas no paĂ­s.

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Nos dias atuais, alĂ©m da militância nas ruas e nas plataformas digitais, grupos de pesquisadoras lĂ©sbicas tĂȘm investido forças na produção de conhecimento, nas disputas de memória e na ocupação de espaços acadĂȘmicos. Elas compartilham vivĂȘncias intelectuais e combatem o silenciamento e a invisibilidade que sempre foram o padrão nesses ambientes.

?? o caso de Paula Silveira-Barbosa, de 28 anos, graduada e mestre em Jornalismo. Ela começou os estudos sobre imprensa alternativa, atĂ© descobrir fontes sobre a imprensa lĂ©sbica dos anos 1980. O tema foi levado para o mestrado, quando analisou a história das publicações e o que elas podiam trazer de legado para o jornalismo no geral. A pesquisa virou livro e foi semifinalista do PrĂȘmio Jabuti AcadĂȘmico.

Rio de Janeiro - Paula Silveira Barbosa, diretora geral do Arquivo LĂ©sbico Brasileiro -. Foto Rede LĂ©sbi Brasil/Divulgação

Paula foi uma das fundadoras do Arquivo LĂ©sbico Brasileiro (ALB), iniciativa que começou em dezembro de 2020 por um grupo de pesquisadoras e ativistas lĂ©sbicas. O grupo apresenta como principal missão preservar registros históricos relacionados às lesbianidades do Brasil e do exterior, e democratizar o acesso aos itens de pesquisa. Nesse sentido, preservar e conhecer melhor a memória promove o reencontro com referĂȘncias importantes do passado.

"Quando a gente se envolve em movimento social, em algum tipo de ativismo, Ă© comum achar que somos as pessoas mais revolucionĂĄrias, que ninguĂ©m nunca foi tão vanguarda. Quando a gente olha para o que muitas lĂ©sbicas fizeram no passado, desconfio que, em alguns assuntos, elas estavam sendo mais revolucionĂĄrias do que a gente", diz Paula, que Ă© a atual diretora-geral da ALB. "Temos muitas referĂȘncias de mulheres lĂ©sbicas nessa luta. A memória do que elas fizeram do que produzem, do que continuam produzindo no presente, tambĂ©m nos ajuda a ter perspectiva de futuro".

O acervo digital tem variedade de artigos e pesquisas, e qualquer pessoa interessada pode acessĂĄ-lo, desde que faça cadastro prĂ©vio. O acesso Ă© gratuito, sendo vedada a reprodução. O ALB tambĂ©m promove cursos de formação, participa de debates e eventos sobre arquivos, memórias e ativismo. São comuns parcerias com entidades, acervos e instituições que defendem grupos historicamente marginalizados.

A primeira coleção publicada no site foi Imprensa LĂ©sbica, fontes que eram utilizadas pela maioria das pesquisadoras no inĂ­cio e que incluĂ­am jornal, boletim, revista, dos anos 80 atĂ© os mais recentes. - feitos por lĂ©sbicas para lĂ©sbicas. A instituição promoveu curso sobre o assunto e fez campanha de financiamento coletivo. Com o dinheiro, desenvolveu o acervo digital e adquiriu equipamento para digitalizar, catalogar e higienizar o acervo.

LĂ©sbicas Que Pesquisam

Em agosto de 2017, foi criado o grupo LĂ©sbicas Que Pesquisam (LQP), com o objetivo de visibilizar a presença lĂ©sbica na academia " como estudantes, pesquisadoras ou professoras. Para catalogar as pesquisadoras, foi divulgado nas redes sociais um formulĂĄrio de cadastro, que ficou disponĂ­vel entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.

O LQP não tem restrições quanto aos temas e ĂĄreas de conhecimento. Portanto, não trata apenas de lesbianidades. A ideia central Ă© difundir reflexões produzidas por mulheres lĂ©sbicas. Pesquisadoras de qualquer titulação e de formação em andamento podem entrar para a lista, desde graduandas atĂ© doutoras.

O grupo desenvolve projetos como 50 LĂ©sbicas Para Lembrar e o Banco de Dados sobre o Movimento LĂ©sbico no Brasil Contemporâneo. HĂĄ tambĂ©m outras ações virtuais de divulgação de pesquisas, como o #lĂ©sbicasquepesquisamnafederal, alĂ©m do compartilhamento de textos inĂ©ditos. A ideia Ă© que as pesquisadoras possam buscar referĂȘncias entre elas mesmas e mostrar que o conhecimento cientĂ­fico não Ă© feito apenas por heterossexuais, brancos e elitistas.

As redes sociais do grupo trazem reflexões abertas para entender o universo lĂ©sbico contemporâneo: demandas nas mobilizações de mulheres lĂ©sbicas, organização do movimento lĂ©sbico no Brasil; se o mais correto Ă© falar em movimento ou movimentos plurais lĂ©sbicos; pontos de confluĂȘncia e dissidĂȘncias; questões que não estão sendo contempladas pelos debates.

Rede LĂ©sbi Brasil

A Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras LĂ©sbicas e Bissexuais (Rede LĂ©sbi Brasil) foi lançada em agosto de 2019 no Rio Grande do Sul, em audiĂȘncia pĂșblica que tratava sobre feminicĂ­dio. O objetivo era agregar ativistas e pesquisadoras de todo o paĂ­s, unir militância e produção acadĂȘmica. O trabalho da rede tem sido o de promover, ao mesmo tempo, seminĂĄrios, cursos, debates e atos polĂ­ticos.

A Rede LĂ©sbi Brasil coloca como missão combater "a condição compulsória de invisibilidade e apagamento das questões lĂ©sbicas e bissexuais". Existe o entendimento de que Ă© preciso politizar "experiĂȘncias, afetos e prazeres". E um dos caminhos para isso Ă© produzir polĂ­ticas pĂșblicas especĂ­ficas, a partir do protagonismo e dos olhares das mulheres lĂ©sbicas, para que suas demandas sejam atendidas.

A rede hoje tem mais de 60 mulheres conectadas em todas as regiões do paĂ­s. Uma delas Ă© Roselaine Dias, professora e mestre em educação, doutoranda em ciĂȘncias humanas. Ela pesquisou sobre a LGBTQIfobia a partir da perspectiva de jovens de Campo Grande, na capital de Mato Grosso do Sul. Foram entrevistas com centenas de estudantes da maior escola de ensino mĂ©dio do estado. O trabalho pôde ampliar a compreensão sobre os diferentes tipos de violĂȘncia de sexo e gĂȘnero presentes no ambiente escolar.

Rio de Janeiro - Roselaine Dias, articuladora da Rede LĂ©sbi Brasil - Foto Rede LĂ©sbi Brasil/Divulgação

Nessa junção entre polĂ­tica e produção intelectual, abrem-se caminhos para desenvolver o orgulho, o afeto e a luta.

"A gente consegue na inter-relação, intersecção de rede, articulação e diĂĄlogo, fomentar vĂĄrios espaços e campos de ação. Trazemos discussões sobre vivĂȘncia, militância e dores das mulheres lĂ©sbicas. Isso fica claro nos simpósios e atos polĂ­ticos de que participamos. Um bom exemplo Ă© o Ocupa Sapatão, no Rio de Grande do Sul, em que articulamos ativistas e pesquisadoras para pensar nossas lutas e demandas. E dizemos ali para toda a cidade que temos o mesmo direito de estar ali, nas ruas brigando pelos nossos direitos. Nós articulamos polĂ­tica, prazer, desejo, cultura e formas de vivĂȘncia no espaço pĂșblico", diz Roselaine.

agenciabrasil.ebc.com.br

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