Nos Ășltimos anos, a dinâmica polĂtica da cidade de Manaus tem sido marcadamente influenciada pela expressiva fatia do eleitorado evangĂ©lico. Com um dado alarmante provenientes do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂstica (IBGE), que revela que 55% da população da capital amazonense se autodenomina evangĂ©lica, a busca pelo voto deste segmento se intensifica à medida que se aproxima a campanha eleitoral. Nesse cenĂĄrio de embate, trĂȘs candidatos à prefeitura de Manaus, David Almeida (Avante), Roberto Cidade (União Brasil) e Alberto Neto (PL), se destacaram ao participar da Marcha para Jesus, um evento tradicional e significativo para a comunidade cristã, realizado no Ășltimo sĂĄbado.
A Marcha para Jesus não Ă© apenas uma celebração da fĂ©, mas tambĂ©m um importante palco para os candidatos que almejam conquistar a confiança desse eleitorado. O cientista polĂtico Breno Rodrigo observa que, alĂ©m do movimento social, existe um engajamento polĂtico efetivo nesse segmento, caracterizado por uma fidelidade partidĂĄria que os polĂticos anseiam por conquistar. "HĂĄ uma organicidade nesse segmento de denominações pentecostais e neopentecostais", diz Rodrigo, indicando que o engajamento vai alĂ©m da participação ocasional, mas abarca uma lealdade que pode ser decisiva nas eleições.
Ademais, o conceito de "teologia do domĂnio" surge com força nas discussões polĂticas atuais, defendendo que os evangĂ©licos precisam conquistar o poder para efetivar suas crenças e valores. Como explica Breno Rodrigo, a ideia de que existe uma tentativa de dominação por forças percebidas como esquerdistas dentro do Estado configura o que se denomina como uma "guerra cultural". Essa polarização cria um ambiente no qual evangĂ©licos e conservadores se veem como defensores dos valores cristãos diante de uma suposta ameaça à moralidade e aos princĂpios que sustentam suas crenças.
?? imperativo entender que a confluĂȘncia entre religião e polĂtica pode ter desdobramentos significativos na sociedade. Contudo, essa relação nem sempre Ă© benĂ©fica. O advogado e cientista polĂtico Carlos Santiago destaca a periculosidade de se criar uma sociedade com alta intolerância religiosa e a necessidade de distinção entre a polĂtica e a fĂ©. Para ele, Ă© fundamental que a administração pĂșblica direcione suas ações para o bem comum, sem se tornar subjugada por interesses de denominações religiosas especĂficas. "O perigo disso Ă© que a administração pĂșblica fique refĂ©m de polĂticos religiosos, desconsiderando a pluralidade da sociedade", adverte Santiago, enfatizando a importância de manter o estado laico em sua essĂȘncia.
A pluralidade de Manaus, uma das cidades mais relevantes do norte do Brasil, demanda uma abordagem inclusiva e respeitosa por parte dos lĂderes eleitos. O direito à crença deve coexistir com a responsabilidade de governar para todos os cidadãos, independentemente de suas convicções religiosas. Os novos lĂderes da cidade precisarão distanciar-se da polarização exacerbada e promover um diĂĄlogo que favoreça a unidade em vez da divisão.
Neste contexto eleitoral, fica evidente que a disputa pelo eleitorado evangĂ©lico não Ă© apenas uma manobra estratĂ©gica, mas reflete um desejo legĂtimo de representação polĂtica que transcende crenças pessoais. No entanto, os candidatos devem estar cientes da responsabilidade que advĂ©m dessa busca. Eles não podem permitir que sua ascensão ao poder seja encarada como uma validação de visões de mundo que excluam a diversidade existente na sociedade manauara.
?? medida que se aproxima o inĂcio da campanha eleitoral em agosto, a luta pelo voto evangĂ©lico revela-se não apenas uma oportunidade polĂtica, mas um teste sobre a capacidade dos candidatos de se conectarem com a essĂȘncia da cidadania e do respeito mĂștuo. O futuro de Manaus, em Ășltima anĂĄlise, depende de como seus lĂderes serão capazes de articular as necessidades e os anseios de uma população plural, assegurando que em vez de uma mera batalha pela conquista de votos, a eleição se transforme em um compromisso coletivo pelo bem-estar da cidade.
Portanto, a Marcha para Jesus, embora um evento de grande relevância para a audiĂȘncia evangĂ©lica, deve ser vista como uma oportunidade para os candidatos debaterem não apenas seus projetos eleitorais, mas a visão que tĂȘm sobre a cidade e seu papel na promoção de um espaço plural e respeitoso. A polĂtica deve transcender a bifurcação discursiva entre conservadores e progressistas, criando um ambiente onde a fĂ© e a administração pĂșblica possam coexistir em harmonia, sempre em prol do bem comum. No fim, a vitória de um candidato deve ser sinônimo de compromisso com todos os cidadãos de Manaus, independentemente de suas crenças ou ideologias.