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Abin espionou autoridades do Judiciário, do Legislativo e jornalistas


- Foto: agenciabrasil.ebc.com.br

Investigação da Policia Federal aponta que agentes lotados na AgĂȘncia Brasileira de InteligĂȘncia (Abin) utilizaram ferramentas de espionagem adquiridas pelo órgão para monitorar os movimentos de autoridades do JudiciĂĄrio, do Legislativo e da Receita Federal, alĂ©m de personalidades pĂșblicas, como jornalistas. Os atos irregulares teriam ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro.

O resultado das investigações estĂĄ na decisão, de 86 pĂĄginas, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que autorizou uma nova fase da Operação ??ltima Milha. A operação apura o uso da Abin para fins pessoais e polĂ­ticos, no governo passado. Moraes Ă© relator do inquĂ©rito.

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No documento, Moraes escreveu que "a continuidade das investigações evidenciou a utilização dos recursos da Abin para monitorar autoridades dos Poderes JudiciĂĄrio (Ministros desta Corte e os seus familiares) e Legislativo (senadores da RepĂșblica e deputados federais), com o objetivo de obter vantagens polĂ­ticas."

Nesta quinta, quatro pessoas foram detidas: Mateus Sposito, ex-assessor da Secretaria de Comunicação Social da PresidĂȘncia da RepĂșblica; Giancarlo Gomes Rodrigues, militar e ex-servidor da Abin; Marcelo de AraĂșjo Bormevet, policial federal que atuava na Abin; e Richards Dyer Pozzer, responsĂĄvel por disseminar notĂ­cias falsas. RogĂ©rio Beraldo de Almeida, tambĂ©m apontado como responsĂĄvel por perfis falsos nas redes sociais, segue foragido.

Moraes determinou ainda medidas de busca e apreensão contra JosĂ© Matheus Sales Gomes, ex-assessor da PresidĂȘncia, e Daniel Ribeiro Lemos, secretĂĄrio parlamentar.

De modo preliminar, a PF apontou o cometimento de crimes como pertencimento a organização criminosa, invasão de dispositivo informĂĄtico alheio, interceptação clandestina de comunicações e tentativa de abolição do Estado DemocrĂĄtico de Direito.

Até o momento identificou-se que as seguintes pessoas foram monitoradas:

JudiciĂĄrio: ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux;

Legislativo: atual presidente da Câmara deputado federal Arthur Lira, alĂ©m dos deputados Rodrigo Maia (então presidente da Câmara), Kim Kataguiri e Joice Hasselmann; e os senadores Alessandro Vieira, Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues.

Executivo: ex-governador de São Paulo, João Dória; Servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges; auditores da Receita Federal do Brasil Christiano JosĂ© Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e JosĂ© Pereira de Barros Neto.

Jornalistas: Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.

O monitoramento foi realizado por meio da invasão de aparelhos e computadores, alĂ©m da infraestrutura de telefonia. Para isso, foi utilizada a ferramenta First Mile, desenvolvida por uma empresa israelense, capaz de monitorar dispositivos móveis "sem a necessidade de interferĂȘncia e/ou ciĂȘncia das operadoras de telefonia e sem a necessĂĄria autorização judicial".

O programa foi comprado pela Abin durante a gestão do deputado Alexandre Ramagem, que foi diretor-geral da agĂȘncia durante o governo Bolsonaro. As investigações mostram que ele "teria instrumentalizado a mais alta agĂȘncia de inteligĂȘncia brasileira para fins ilĂ­citos de monitoramento de alvos de interesse polĂ­tico, bem como de autoridades pĂșblicas, sem a necessĂĄria autorização judicial", escreveu Moraes.

"As investigações evidenciaram a ocorrĂȘncia de inĂșmeras ações clandestinas no perĂ­odo compreendido entre 2019 atĂ© 2022 e indicaram que os recursos humanos e tĂ©cnicos empregados pela estrutura paralela valiam-se de sistemas oficiais e clandestinos para obtenção dos dados necessĂĄrios para os seus interesses."

JudiciĂĄrio

Entre os objetivos da organização criminosa estaria atrapalhar investigações da PolĂ­cia Federal e apurações na Receita Federal, alĂ©m de colocar em dĂșvida o processo eleitoral a partir de informações que pudessem ser usadas contra ministros do Supremo que tambĂ©m compunham o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O grupo tambĂ©m se dedicou à disseminação de notĂ­cias falsas em redes sociais para colocar sob suspeita a movimentação das autoridades e assim desacreditar o processo eleitoral.

Um dos documentos apreendidos pela PF, por exemplo, "remete à tentativa de associar deputados federais, bem como exmo. ministro relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC", diz trecho do relatório da investigação, que foi destacado por Moraes.

"A ação transparece, dessa forma, o desvio da finalidade das operações de inteligĂȘncia do campo tĂ©cnico para o campo polĂ­tico servindo para interesse não republicano, diverso da produção de inteligĂȘncia de Estado", acrescenta o relatório da PF.

AlĂ©m do First Mile, outras ferramentas e bens da Abin foram utilizados para monitorar adversĂĄrios, como drones, viaturas e agentes da própria PF que foram cedidos à Abin e estavam sob comando de Ramagem.

Desinformação

Em relação ao Legislativo, a PF identificou ações clandestinas para "caçar podres" do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) e tambĂ©m contra Arthur Lira (PP-AL) e Renan Calheiros (MDB-AL). A PF trouxe mensagem de Ramagem que indica que o ex-diretor da Abin determinou pessoalmente o monitoramento de Lira.

Sobre o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), as investigações mostram que na Ă©poca em que foi espionado atuava na Comissão Parlamentar de InquĂ©rito (CPI) da Pandemia e havia requerido que o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, fosse convocado a prestar depoimento.

Um dos principais pilares da investigação são as conversas mantidas entre o militar Giancarlo Gomes Rodrigues e o policial federal Marcelo AraĂșjo Bormevet, que operavam diretamente o First Mile. As investigações tambĂ©m citam servidores do gabinete da PresidĂȘncia que teriam como função disseminar desinformação acerca das autoridades monitoradas, no que ficou conhecido como "gabinete do ódio".

Em parecer, a Procuradoria-Geral da RepĂșblica (PGR), por exemplo, destacou que pesquisas feitas no programa tendo como alvo a jornalista Luiza Alves Bandeira " ligada a um estudo que levou redes sociais a derrubarem perfis desinformativos " coincidiam com os diĂĄlogos entre os agentes da Abin.

"Bormevet determinou ao subordinado Giancarlo que "futucasse atĂ© unha" da jornalista, para identificar "ligação com polĂ­ticos, pessoas em geral", ao fundamento de que "essa mulher estĂĄ denunciando perfis de direita", frisou a PGR.

Receita Federal

A PF aponta ainda operações da Abin para beneficiar o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ). O objetivo seria atingir auditores da Receita Federal que atuaram no relatório que deu origem a uma investigação sobre desvio de salĂĄrios de assessores, as rachadinhas.

Segundo as conversas obtidas entre Giancarlo e Bormevet obtidas pela PF, a operação buscava "podres e relações polĂ­ticas" dos auditores. "O produto ilĂ­cito da ação clandestina deveria ser "jogado num Word somente", revelando assim o carĂĄter de extra-oficialidade", disse a autoridade policial.

Nesse ponto, a PF acusa Ramagem de ter mentido em depoimento, ao ser questionado sobre a operação contra auditores da Receita.

Os investigadores apontam ainda a existĂȘncia de um ĂĄudio de uma hora e oito minutos, gravado pelo próprio ex-diretor da Abin, no qual o então presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e a advogada de FlĂĄvio "tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da receita federal na confecção do Relatório de InteligĂȘncia Fiscal que deu causa à investigação".

NĂșcleos

A PF dividiu a organização criminosa em cinco nĂșcleos:

NĂșcleo alta-gestão: delegados federais que, ao tempo dos fatos investigados, estavam cedidos para a Abin exercendo funções de direção e utilizaram o sistema First Mile para monitorar alvos e autoridades pĂșblicas, bem como para serviço de contrainteligĂȘncia e criação de relatórios apócrifos que seriam divulgados com o fim de criar narrativas falsas. São eles: Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin, e Carlos Afonso Gonçalves, ex-diretor do departamento de InteligĂȘncia EstratĂ©gica).

NĂșcleo subordinados: policiais federais cedidos à Abin que serviam de staff para a alta gestão, cumprindo as determinações, monitorando alvos e produzindo relatórios. Integrantes: Marcelo AraĂșjo Bormevet, Felipe Arlotta Freitas, Carlos Magno de Deus Rodrigues, Henrique CĂ©sar Prado Zordan, Alexandre Ramalho e Luiz Felipe Barros Felix.

NĂșcleo evento portaria 157: formado por agentes responsĂĄveis pelas diligĂȘncias que resultaram na tentativa de vinculação de parlamentares e ministros do Supremo a organização criminosa. Integrantes: Ottoney Braga dos Santos; Thiago Gomes Quinalia, Renato Pereira AraĂșjo, Rodolfo do Nascimento e Ricardo Macedo.

NĂșcleo tratamento log: responsĂĄvel pelo tratamento dos logs (arquivos de registro) disponĂ­veis desde do inĂ­cio da investigação. Integrante: Bruno de Aguiar Faria.

Outro lado

Em seus perfis nas redes sociais, Carlos e FlĂĄvio Bolsonaro se manifestaram sobre a operação desta quinta.

"Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter", escreveu FlĂĄvio.

"A divulgação desse tipo de documento, às vĂ©speras das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Delgado Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro", acrescentou.

"A verborragia do dia da imprensa, o gabinete do ódio do sistema, Ă© tentar dar uma cara à narrativa suja deles, SEM NUNCA SEQUER MOSTRAR NENHUMA PROVA, a não ser o fetiche por minha imagem", publicou Carlos.

A AgĂȘncia Brasil tenta contato e estĂĄ aberta para publicação do posicionamento dos demais citados na reportagem.

Ampliada às 15h36 para inclusão do quinto e sexto parĂĄgrafos.

agenciabrasil.ebc.com.br

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