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SA??DE

Exames em amostras de cabelo de yanomamis revelam contaminação por mercúrio nos indígenas

Ao todo, foram examinadas 287 amostras de cabelo de indivĂ­duos de variadas faixas etĂĄrias, incluindo crianças e idosos. Em 84% delas, foram encontrados nĂ­veis de mercĂșrio acima de 2,0 microgramas de mercĂșrio por grama de cabelo (”g/g).


""Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a contaminação por mercĂșrio afeta quase toda a população de nove aldeias yanomamis situadas em Roraima. Os resultados, divulgados nesta quinta-feira (4), foram obtidos a partir da anĂĄlise de amostras de cabelos colhidas em outubro de 2022. De acordo com os pesquisadores, o estudo mostra uma situação preocupante e contribui para aprofundar o conhecimento sobre os impactos do garimpo ilegal de ouro na região.

"Existem metais, como o zinco, o ferro e o selĂȘnio, que tem uma importância para o organismo. Eles estão envolvidos no metabolismo do ser humano. O ferro, por exemplo, faz parte da formação da hemoglobina. Mas o mercĂșrio não desempenha nenhum papel no metabolismo humano. Por isso, ele Ă© considerado um contaminante quĂ­mico. E a ciĂȘncia vem desde os anos 1950 acumulando de evidĂȘncias sobre seus efeitos deletĂ©rios para a saĂșde", explica Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz.

O estudo, intitulado Impacto do mercĂșrio em ĂĄreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saĂșde-ambiente, teve o apoio da organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA) e mobilizou duas instâncias da Fiocruz: a Escola Nacional de SaĂșde PĂșblica Sergio Arouca e a Escola PolitĂ©cnica de SaĂșde Joaquim Venâncio. As aldeias envolvidas no estudo situam-se na região do Alto Rio MucajaĂ­ e reĂșnem yanomamis do subgrupo ninam.

Ao todo, foram examinadas 287 amostras de cabelo de indivĂ­duos de variadas faixas etĂĄrias, incluindo crianças e idosos. Em 84% delas, foram encontrados nĂ­veis de mercĂșrio acima de 2,0 microgramas de mercĂșrio por grama de cabelo (”g/g). Nessa faixa jĂĄ Ă© obrigatória a notificação dos casos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), atravĂ©s do qual são produzidas estatĂ­sticas oficiais que balizam as medidas a serem adotadas no âmbito do Sistema ??nico de SaĂșde (SUS).

AlĂ©m disso, chama atenção que, em 10,8% das anĂĄlises, os nĂ­veis ficaram acima de 6,0 ”g/g. A pesquisa indica a necessidade de atenção especial com essa parcela da população. Os pesquisadores apontam que os maiores nĂ­veis de exposição foram detectados em indĂ­genas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais.

A Terra Yanomami ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. ?? a maior reserva indĂ­gena do paĂ­s. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂ­stica (IBGE) apontam que mais de 27 mil indĂ­genas vivem nessa ĂĄrea.

A presença do garimpo ilegal nesse território Ă© um problema de dĂ©cadas. O mercĂșrio Ă© usado no processo de separação do ouro dos demais sedimentos. Sendo uma atividade clandestina, que busca driblar a fiscalização, geralmente não são adotados cuidados ambientais. O mercĂșrio acaba sendo despejado nos rios e entra na cadeia alimentar dos peixes e de outros animais. AlĂ©m da contaminação, o avanço do garimpo ilegal tem sido relacionado com outros problemas de saĂșde enfrentados pelas populações yanomamis, tais como a desnutrição e o aumento de diferentes doenças, sobretudo a malĂĄria.

Em janeiro do ano passado, a repercussão da crise humanitĂĄria vivenciada nessas aldeias gerou uma comoção nacional. Segundo dados do MinistĂ©rio dos Povos IndĂ­genas, apenas em 2022, morreram 99 crianças yanomamis com menos de cinco anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia e diarreia. Então recĂ©m-empossado, o governo liderado pelo presidente LuĂ­s InĂĄcio Lula da Silva anunciou uma sĂ©rie de ações governamentais, incluindo o combate às atividades clandestinas. No entanto, passados mais de um ano, o garimpo ilegal continua ocorrendo no território.

De acordo com Paula Basta, a presença de mercĂșrio no organismo pode afetar qualquer local do corpo humano e qualquer órgão. HĂĄ relatos de danos, por exemplo, aos rins, ao fĂ­gado e ao sistema cardiovascular, gerando aumento da pressão arterial e risco de infarto. Mas o maior afetado geralmente Ă© o sistema nervoso central. Paulo Basta observa que os sintomas geralmente começam brandos e evoluem e que, muitas vezes, hĂĄ dificuldade para reconhecer que eles estão associados à exposição ao mercĂșrio.

"No cĂ©rebro, ele provoca lesões definitivas, irreversĂ­veis. Adultos submetidos à exposição crônica podem ter alterações sensitivas que envolvem alterações na sensibilidade das mãos e dos pĂ©s, na audição, no paladar. Pode envolver tambĂ©m insônia e ansiedade. TambĂ©m pode haver alterações motoras, que incluem problemas de tontura, de equilĂ­brio, de marcha. Pode ter sintomas semelhantes à SĂ­ndrome de Parkinson. E hĂĄ tambĂ©m alterações cognitivas, incluindo perda de memória, dificuldade de articulação de raciocĂ­nio. Pode chegar a um quadro similar ao da doença de Alzheimer", diz o pesquisador.

Ele observa, porĂ©m, que os mais vulnerĂĄveis são crianças e mulheres idade fĂ©rtil, sobretudo gestantes. O mercĂșrio pode gerar mĂĄ formação do feto e atĂ© levar ao aborto. JĂĄ as crianças podem apresentar problemas no desenvolvimento motor e no aprendizado. Os pesquisadores chegaram a realizar um teste de coeficiente de inteligĂȘncia envolvendo 58 crianças.

"O que se espera de uma população normal Ă© que o coeficiente de inteligĂȘncia mĂ©dio seja em torno de 100 pontos. E o que verificamos com as crianças yanomamis foi um coeficiente de inteligĂȘncia mĂ©dio de 68. Mais de 30 pontos abaixo da mĂ©dia que era esperada. Isso denota um dĂ©ficit cognitivo. E os indĂ­cios nos sugerem que esse dĂ©ficit tem relação com a exposição ao mercĂșrio, sobretudo no perĂ­odo prĂ©-natal", afirma Paulo Basta.

Recomendações

Os pesquisadores fazem uma sĂ©rie de recomendações com base no cenĂĄrio encontrado durante os estudos. Como ações emergenciais, mencionam interrupção imediata do garimpo e do uso do mercĂșrio, desintrusão de invasores e a construção de unidades de saĂșde em pontos estratĂ©gicos da Terra Yanomami. AlĂ©m disso, o estudo tambĂ©m indica como necessĂĄrias ações especĂ­ficas para as populações expostas: rastreamento de comunidades afetadas, realização de diagnósticos laboratoriais, elaboração de protocolos de tratamento de quadros de intoxicação e criação de um centro de referĂȘncia para acompanhamento de casos crônicos ou com sequelas reconhecidas.

"Não adianta apenas interromper o garimpo. ?? a primeira coisa a ser feita. Mas não Ă© suficiente, porque o mercĂșrio jĂĄ estĂĄ presente no ambiente. Mesmo que nunca mais seja despejado mercĂșrio no território, o que jĂĄ estĂĄ lĂĄ vai permanecer por 120 anos", destaca Paulo Basta.

A Convenção de Minamata, aprovada em 2013 pela Organização das Nações Unidas (ONU), reconheceu os riscos associados à exposição ao mercĂșrio e fixou medidas para controlar sua disposição. Foram estabelecidas diversas restrições de uso que forçaram mudanças, por exemplo, na indĂșstria de lâmpadas, de carvão mineral, de equipamentos de saĂșde. A Organização Mundial da SaĂșde (OMS) alerta que nĂ­veis acima de 6 ”g/g podem trazer sĂ©rias consequĂȘncias à saĂșde, principalmente a grupos vulnerĂĄveis.

Paula Basta observa que, no caso da Terra Yanomami, a ausĂȘncia de indĂșstrias nos permite afirmar que o responsĂĄvel pela presença do mercĂșrio Ă© o garimpo ilegal. Chama atenção que o estudo não detectou contaminação nas 14 amostras de ĂĄgua analisadas. Por outro lado, as 47 amostras de peixe registraram alta concentração de mercĂșrio, sobretudo em espĂ©cies carnĂ­voras apreciadas na Amazônia como mandupĂ© e piranha.

"O mercĂșrio tem uma densidade muito mais elevada com a ĂĄgua. Então ele não se mistura com a ĂĄgua com facilidade. Ele vai se depositar no fundo, se misturar com a lama. E lĂĄ ele vai sofrer um processo que envolve bactĂ©rias e vai se transformar no metilmercĂșrio. Esse metilmercĂșrio Ă© o que vai ingressar na cadeia alimentar. Ele vai ser absorvido pelas algas, por pequenos crustĂĄceos, por peixes, por jacarĂ©s. E o ser humano se alimentando principalmente do pescado acaba se contaminando tambĂ©m", explica o pesquisador.

Outros problemas

TambĂ©m foram realizados testes para estimar a prevalĂȘncia de doenças infecciosas e parasitĂĄrias. Mais de 80% dos participantes relataram ter tido malĂĄria ao menos uma vez na vida, com uma mĂ©dia de trĂȘs episódios da doença por indivĂ­duo. Em 11,7% dos indivĂ­duos testados, foi possĂ­vel identificar casos sem manifestações clĂ­nicas evidentes, caracterĂ­sticas comuns em ĂĄreas de alta transmissão da doença. De acordo com os pesquisadores, a abertura de cavas pelos garimpeiros favorece o surgimento de reservatórios para larvas de mosquitos. Dessa forma, nota-se um crescimento de casos não apenas de malĂĄria, mas tambĂ©m de leishmaniose e de outras arboviroses.

Outro dado alarmante Ă© referente à cobertura vacinal. Apenas 15,5% das crianças estavam com a caderneta de imunização em dia. AlĂ©m disso, mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade apresentaram desnutrição aguda. Em 80%, foram constatados dĂ©ficits de estatura para idade, o que sugere, de acordo com os parâmetros da OMS, um estado de desnutrição crônica.

Paulo Basta destaca que o garimpo ilegal opera com mĂĄquinas pesadas. Usam retroescavadeira, balsas, helicópteros e outros equipamentos. "A primeira providĂȘncia do garimpo Ă© a devastação da floresta, a mudança do curso dos rios, a escavação da terra. Isso provoca alterações no sistema local. Animais de grande porte considerados alimentos para os povos indĂ­genas, como a anta e a paca, fogem dessas regiões. As ĂĄreas destinadas ao plantio, à coleta, ao extrativismo são afetadas. Esse processo traz escassez de alimentos para as populações tradicionais", diz Paula Basta.

SAÚDE MERCÚRIO

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