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CIDH condena Brasil por 12 execuções durante ação policial em 2002


- Foto: agenciabrasil.ebc.com.br

O Estado brasileiro foi responsabilizado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CDHI) pela execução extrajudicial de 12 pessoas no caso que ficou conhecido como Operação Castelinho, em 2002. As pessoas foram mortas pela PolĂ­cia Militar do Estado de São Paulo. A sentença, de 27 de novembro do ano passado, foi divulgada nesta quinta-feira (14).

"[A CDHI] declara, por unanimidade, que o Estado [brasileiro] Ă© responsĂĄvel pela violação do direito à vida, reconhecido no Artigo 4 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao Artigo 1.1 do mesmo instrumento, em virtude da execução extrajudicial de JosĂ© Airton Honorato, JosĂ© Maria Menezes, Aleksandro de Oliveira Araujo, Djalma Fernandes Andrade de Souza, Fabio Fernandes Andrade de Souza, Gerson Machado da Silva, Jeferson Leandro Andrade, JosĂ© Cicero Pereira dos Santos, Laercio Antonio Luiz, Luciano da Silva Barbosa, Sandro Rogerio da Silva e Silvio Bernardino do Carmo, nos termos dos parĂĄgrafos 76 a 90 desta sentença", diz a decisão.

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A Operação Castelinho ocorreu em 2002 e teve como ponto de partida a saĂ­da temporĂĄria da prisão de trĂȘs detentos com autorização da Justiça. De acordo com a corte, eles transmitiram a 12 pessoas a notĂ­cia falsa de que um avião que transportava R$ 28 milhões aterrissaria no Aeroporto de Sorocaba, no interior do estado, no dia 5 de março daquele ano, e incitaram o grupo a preparar um roubo à aeronave.

"O grupo, juntamente com os infiltrados [os trĂȘs detentos], saiu em direção ao aeroporto, pela Rodovia Castelo Branco, em quatro veĂ­culos. Por volta das 7h30, quando o ônibus do comboio chegou ao pedĂĄgio, os agentes de polĂ­cia interromperam o trânsito, rodearam o comboio e dispararam durante, aproximadamente, 10 minutos contra o ônibus", diz a CDHI.

Doze pessoas foram mortas em razão de hemorragia interna causada por ferimentos de projĂ©til de arma de fogo dos policiais. Ao analisar o caso, a corte constatou que a informação do avião de transporte de valores foi uma ficção criada pelo Grupo de Repressão e AnĂĄlise aos Delitos de Intolerância (Gradi), ligado à Secretaria de Segurança PĂșblica do Estado de São Paulo, para incitar o roubo e atrair os criminosos.

"Não houve um intercâmbio de disparos entre os policiais e as 12 pessoas mortas, uma vez que a maior parte das provas indica que as supostas vĂ­timas não estavam armadas no momento de sua morte. Por isso, a corte concluiu que a privação da vida das 12 pessoas durante a Operação Castelinho resultou de uma ação planejada e realizada por agentes estatais para executar extrajudicialmente as referidas pessoas", disse a CDHI.

Sem punições

Na sentença, a Corte Interamericana ressaltou ainda que não houve punição aos envolvidos nas execuções. A operação foi investigada pela PolĂ­cia Militar e arquivada em janeiro de 2004. O MinistĂ©rio PĂșblico do Estado de São Paulo denunciou 55 pessoas por 12 delitos de homicĂ­dio qualificado. Em 2014, a Justiça declarou improcedente o pedido de punição, decisão que foi confirmada, em fevereiro de 2017, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Parentes de algumas das pessoas executadas ajuizaram ações de reparação por danos. Somente em uma das demandas foi efetuada a indenização.

"As graves omissões no que concerne ao levantamento de evidĂȘncias probatórias cruciais para o caso e a falta de proteção e a alteração da cena do crime tiveram consequĂȘncias negativas para todo o processo penal, obstaculizando o acesso à justiça dos familiares. Consequentemente, a corte concluiu que as autoridades policiais e judiciais buscavam impedir a investigação dos fatos", acrescentou a CDHI.

Em razão das violações, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou ao Estado brasileiro medidas de reparação, como a criação de um grupo de trabalho para esclarecer a atuação do Gradi no estado de São Paulo, incluindo as circunstâncias da execução extrajudicial das vĂ­timas; a disponibilização de tratamento mĂ©dico, psicológico e psiquiĂĄtrico aos familiares, a realização um ato pĂșblico de reconhecimento de responsabilidade e a adoção de medidas necessĂĄrias para suprimir a competĂȘncia da PolĂ­cia Militar para investigar delitos cometidos contra civis.

A sentença da Corte pode ser lida na Ă­ntegra no site da CDHI.

A Secretaria de Segurança PĂșblica do Estado de São Paulo e o MinistĂ©rio dos Diretos Humanos e da Cidadania foram procurados, mas ainda não se manifestaram.

Novas denĂșncias

A decisão da Corte ocorre em meio a novas denĂșncias de violações de direitos humanos cometidas pela polĂ­cia paulista, agora em relação às operações Escudo e Verão, realizadas na Baixada Santista. Desde 7 de fevereiro, atĂ© hoje, 45 pessoas foram mortas por policiais em supostos confrontos.

Em fevereiro, a Defensoria PĂșblica de São Paulo enviou um pedido à CIDH para que a entidade demande o fim da Operação Escudo no estado.

"AtĂ© o momento, 45 pessoas morreram em confronto com a polĂ­cia, entre elas, o lĂ­der de uma facção criminosa envolvida com o trĂĄfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro, tribunal do crime e atentado contra agentes pĂșblicos. Todos os casos de mortes em confronto são rigorosamente investigados pela PolĂ­cia Civil e Militar, com acompanhamento do MinistĂ©rio PĂșblico e Poder JudiciĂĄrio", disse a SSP, em nota.

Trabalhadores rurais

Em outro processo, tambĂ©m divulgado hoje, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado Brasileiro pela morte e lesões a trabalhadores rurais no estado do ParanĂĄ, no ano 2000.

"A Corte considerou o Estado do Brasil responsĂĄvel internacionalmente pelo uso desproporcional da força empregada pela PolĂ­cia Militar, no dia 2 de maio de 2000, contra Antônio Tavares Pereira e outros 197 trabalhadores e trabalhadoras rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que buscavam manifestar-se publicamente", diz a sentença.

Em 2 de maio de 2000, vĂĄrios ônibus com trabalhadores rurais integrantes do MST foram impedidos pela polĂ­cia de fazer uma manifestação em Curitiba, capital paranaense. Para desobstruir a via onde estava os ônibus, policiais usaram gĂĄs lacrimogĂȘneo, balas de borracha, cães, porretes, força fĂ­sica e armas de fogo, resultando em ao menos 197 pessoas afetadas e 69 feridas.

Um projĂ©til disparado por um soldado da PolĂ­cia Militar atingiu Antônio Tavares Pereira, que morreu em consequĂȘncia de hemorragia aguda no Hospital do Trabalhador.

"Ao analisar os fatos do caso, a Corte Interamericana estabeleceu que o impedimento a que os manifestantes ingressassem a Curitiba ocasionou uma restrição absoluta e indevida de seus direitos à liberdade de pensamento e expressão, de reunião, e de circulação, contidos nos artigos 13, 15 e 22 da Convenção Americana", disse a CIDH.

Quanto a Antônio Tavares Pereira, o tribunal concluiu que sua morte foi consequĂȘncia do uso indevido de armas de fogo para dispersar uma concentração de pessoas que incluĂ­a crianças, "sem que houvesse uma ameaça iminente de morte ou lesão grave aos manifestantes, ao pĂșblico ou à força pĂșblica, e sem qualquer advertĂȘncia sobre a iminĂȘncia de sua utilização. Por isso, a Corte considerou que tal morte constituiu uma privação arbitrĂĄria da vida imputĂĄvel ao Estado do Brasil".

A Secretaria de Segurança PĂșblica do estado do ParanĂĄ foi procurada, mas ainda não se manifestou.

Atuação em manifestações pĂșblicas

A Corte decidiu ainda que o estado do ParanĂĄ deve incluir no currĂ­culo de formação das forças policiais ensino permanente para atuação durante manifestações pĂșblicas.

Em nota, o governo do estado do ParanĂĄ disse que jĂĄ cumpre as recomendações propostas pela CIDH. "A Secretaria de Estado da Segurança PĂșblica aprimorou, nessas Ășltimas duas dĂ©cadas, o treinamento das forças policiais e atualmente o currĂ­culo de formação da corporação conta com capacitação para atuação em manifestações pĂșblicas."

Direitos Humanos

Em posicionamento divulgado nas redes sociais, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse reiterar que as violações de direitos sentenciadas contra o Brasil são desafios centrais para as polĂ­ticas de direitos humanos. "?? de suma importância o cumprimento de todas as reparações históricas proclamadas pela Corte IDH", escreveu.

"Não podemos tolerar, em nenhum tempo, o uso da força desproporcional por parte de agentes do Estado brasileiro. ?? estarrecedor perceber, em uma anĂĄlise de dĂ©cadas, que os problemas de ontem persistem. O governo federal estĂĄ comprometido em garantir a defesa dos direitos de toda a população brasileira", afirmou o ministro.

*Texto ampliado às 20h09 para incluir condenação do Brasil por morte de integrante do MST no ano 2000 no ParanĂĄ. Texto ampliado às 15h33 do dia 15/03/2024 para acrĂ©scimo da informações sobre decisão relacionada ao estado do ParanĂĄ e, às 16h08, para acrĂ©scimo de declarações do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

agenciabrasil.ebc.com.br

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