A PF tomou as conclusões após colher depoimentos e apurar uma sĂ©rie de provas, incluindo mensagens em aplicativos de celular, registros de login em sistemas da SaĂșde e dados de geolocalização dos investigados, entre outras.
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Segundo a PF, o esquema começou em novembro de 2021, quando Cid pediu ao sargento do ExĂ©rcito Luis Marcos dos Reis, seu colega na Ajudância de Ordens da PresidĂȘncia, que o auxiliasse a conseguir um cartão de vacinação forjado para sua esposa Gabriela Santiago Cid.
Reis acionou então seu sobrinho, o mĂ©dico Farley Vinicius de Alcântara, que obteve um cartão de vacinação da Secretaria de SaĂșde do Estado de GoiĂĄs, preenchido com duas doses da vacina contra a covid-19, em nome de Gabriela.
Os dados da vacina (data, lote, fabricante, aplicador) foram retirados de um cartão de vacinação de uma enfermeira que teria sido vacinada na cidade de Cabeceiras (GO), segundo mensagens extraĂdas do serviço de nuvem em que Cid armazenou suas mensagens de WhatsApp.
Esse primeiro cartão de vacinação forjado foi produzido com anotações manuscritas, e assinado por Alcântara, mĂ©dico sobrinho de Reis. Por meio de dados de geolocalização, a PF mostrou que o celular pessoal de Gabriela Cid encontrava-se em uso em BrasĂlia, no dia em que ela supostamente tomou a vacina em Cabeceiras.
Segundo os dados do cartão falso, Gabriela teria tomado uma dose de vacina no dia 17 de agosto de 2021, do lote FF2591, e outra no dia 9 de novembro de 2021, do lote TG3529.
Inquirido, o mĂ©dico reconheceu como autĂȘntica sua assinatura e carimbo no documento, mas disse não saber se as doses foram de fato aplicadas. Para a PF, ele sabia da falsificação ao ter copiado as informações de um outro cartão de vacinação. Na Ă©poca dos fatos, ele trabalhava como plantonista no hospital de Cabeceiras. Gabriela, por sua vez, admitiu aos investigadores que não tomou a vacina contra covid-19.
Em acordo de delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid admitiu o envolvimento no esquema e ajudou na investigação.
Certificados falsos
De posse do cartão de vacinação falsificado, Cid contou ter procurado o segundo-sargento do ExĂ©rcito Eduardo Crespo Alves, em 23 de novembro de 2021, para que ele auxiliasse a inserir os dados do documento no sistema ConecteSUS, de modo a ser possĂvel emitir o certificado de vacinação para covid-19.
A manobra, contudo, não deu certo, pois a tentativa de inserir os dados no sistema foi feita do Rio de Janeiro, enquanto os lotes das vacinas que constavam no cartão foram distribuĂdos para GoiĂĄs. As investigações apontam que Crespo não sabia da falsidade do documento. O procedimento depois teria sido tentado por outro militar, chamado Paulo SĂ©rgio da Costa Ferreira, tambĂ©m sem sucesso.
A tentativa de inserção dos dados falsos no ConecteSUS teria sido feita por meio da prefeitura de São Gonçalo (RJ), com o cadastro de uma pessoa chamada Sonia, mas esta teria "rateado" ao saber da ilegalidade da manobra, mostram as investigações.
A inserção dos dados falsos no ConecteSUS somente teria dado certo após o ex-major do ExĂ©rcito Ailton Gonçalves Moraes Barros ser acionado e conseguir realizar o procedimento no municĂpio de Duque de Caxias, com novos dados de vacina, provenientes de novo cartão falso de vacinação. Para a polĂcia, o registro das vacinas foi feito pelo secretĂĄrio de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos Brecha.
Em seu depoimento, Brecha disse desconhecer Ailton Barros e negou a inserção dos dados falsos no ConecteSUS, mas a PF conseguiu identificar que o login no sistema responsĂĄvel por registrar as informações foi feito em seu computador, por meio de um modem instalado em sua residĂȘncia, na cidade fluminense de Niterói.
Uma vez que o esquema deu certo para Gabriela Cid, foram inseridas posteriormente tambĂ©m registros de vacinação falsos para as trĂȘs filhas de Mauro Cid e ainda para Jair Bolsonaro e sua filha, Laura.
Max Guilherme Machado de Moura e Sergio Rocha Cordeiro, auxiliares do ex-presidente, tambĂ©m se beneficiaram, segundo as investigações. O Ășltimo a ter seus dados falsos incluĂdos no ConecteSUS foi o deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ). Todas as inserções teriam sido feitas por Brecha, aponta a PF.
Em sua colaboração premiada, Mauro Cid confirmou todo o esquema e ainda afirmou "que imprimiu os certificados e entregou em mãos ao então presidente da RepĂșblica Jair Messias Bolsonaro", diz o relatório da PF. O ex-presidente teria tomado a primeira dose de vacina da fabricante Pfizer em 13 de agosto de 2022, do lote PCA0084, e a segunda em 14 de outubro de 2022, lote FP7082, ambas no Centro Municipal de SaĂșde de Duque de Caxias.
O objetivo de todas as inserções fraudadas de dados de vacinação no ConecteSUS foi emitir certificados de vacinação contra covid-19 para entrar no Estados Unidos em viagens de lazer.
Bolsonaro, Cid e mais 15 pessoas foram indiciadas pela PF por diversos crimes relativos à falsificação de certificados de vacinação. O relatório foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes, que deve agora ordenar que o MinistĂ©rio PĂșblico Federal apresente seu parecer sobre o inquĂ©rito policial.
Defesas
Em seu perfil na rede social X, antigo Twitter, o advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten criticou a divulgação do indiciamento. "Vazamentos continuam aos montes, ou melhor aos litros. ?? lamentĂĄvel quando a autoridade usa a imprensa para comunicar ato formal que logicamente deveria ter revestimento tĂ©cnico e procedimental ao invĂ©s de midiĂĄtico e parcial", escreveu.
Em posts posteriores, Wajngarten disse que a defesa não teve acesso ao relatório e chamou o indiciamento do ex-presidente de "absurdo". O defensor escreveu que "enquanto [Bolsonaro] exercia o cargo de Presidente, ele estava completamente dispensado de apresentar qualquer tipo de certificado nas suas viagens. Trata-se de perseguição polĂtica e tentativa de esvaziar o enorme capital politico que só vem crescendo".
Bolsonaro sempre negou que tenha tomado a vacina para covid-19. "Não existe adulteração da minha parte, não existe. Eu não tomei a vacina, ponto final", disse Bolsonaro a jornalistas em maio de 2023, ao comentar as investigações.
O deputado federal Gutemberg Reis disse que não irĂĄ se manifestar atĂ© que sua defesa tenha acesso integral ao processo.
Em nota, a defesa de Camila Paulino Alves Soares, enfermeira indiciada por inserção de informação falsa no sistema da SaĂșde, disse que ela colaborou com a investigação e "aguardava uma possĂvel nova declaração, ainda em sede de inquĂ©rito, para comprovar sua inocĂȘncia".
O advogado Jairo Magalhães acrescentou que sua cliente "confia na Justiça e em sua inocĂȘncia" e afirma que não foi ela que inseriu dados no sistema. "Caso Camila seja denunciada, demonstraremos sua inocĂȘncia na ação penal, com provas documentais e testemunhais."
A AgĂȘncia Brasil entrou em contato com a defesa de João Carlos Brecha, e aguarda retorno, bem como tenta contato com as defesas dos demais citados.
MatĂ©ria ampliada às 15h04
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